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O LIVRO DAS BELAS ACÕES Irmãs pelo sangue e pelo heroísmo O sacrifício do padre Damiao O cavaleiro sem medo e sem mácula A fuga de Grócio Um exemplo para os jovens
brasileiros
Um dia, porém, adoeceu gravemente, e teve de recolher-se ao leito. Era presa de uma febre terrível, e ainda mais empalidecia e se definhava ao pensar na inação a que a doença o obrigava. O irmão mais novo, vindo--lhe à cabeceira, disse um dia com carinho: "Sentir-te-ias melhor se eu ocupasse o teu lugar de missionário?" Os olhos do doente brilharam um momento e ele apertou, sorrindo, as mãos do irmão, o qual escreveu secretamente às autoridades, pedindo permissão para partir em seu lugar. Um dia, quando estudava, veio ter com ele o diretor do seminário e informou-o de que estava autorizada a sua ida. O rapaz levantou-se, saiu a correr do quarto e percorreu o pátio aos pulos, como um animal selvagem — "Enlouqueceu?", perguntavam os colegas. E por que José Damião mostrava tanta alegria, se afinal ia para umexílio? Por que desejaria abandonar a terra feliz onde se falava a sua língua e cujos costumes lhe eram familiares? Por que razão iria trabalhar entre selvagens, para além de mares longínquos, tornando-se invisível aos amigos e deles esquecido? É que já abandonara o mundo para ser sacerdote e amava, mais que à pompa do mundo, mais que à paz do lar, mais que ao amor de pai e mãe, o Redentor. Amá-lo e segui-lo, praticando o bem, tornou-se o seu ideal. José Damião, com um entusiasmo de moço, partiu para as ilhas dos mares do Sul e ali missionou. Trabalhou com firmeza e nobremente até a idade de trinta e três anos. Então, um dia, em sua missão entre o povo, ouviu dizer o bom bispo que infelizmente não tinha quem mandar aos pobres leprosos de Molokai, e que esses infelizes estavam entregues não só àquele terrível mal como ainda a pecados terríveis. José Damião, cuja alma muitas vezes se tinha condoído ao ouvir falar dos leprosos, pediu ao bispo que o mandasse, e o seu oferecimento foi aceito. Aqui estava outro sacrifício ainda mais respeitável: ir dos selvagens para os leprosos representava abnegação maior do que ir da Bélgica para os selvagens. Os leprosos viviam isolados, longe de toda a gente, evitados por todos. Estavam fora da humanidade. O mal aue lhes roía os corpos tornava-lhes as almas também ruins. Suas cabanas eram verdadeiras pocilgas; viviam como animais; eram horríveis ,-. de ver, e mais ainda depois de conhecidos. Não podem vocês imaginar os horrores de Molo-kai. Deles só uma pequena parte bastaria para impressionar. Mas o padre Damião levou aos desgraçados a mensagem simples de que Deus os amava; e o seu rosto alegre, a sua voz terna, o seu olhar acarinha-dor, e, mais que tudo isso, a fé ardente e viva que punha nas suas palavras, converteu-os de animais em homens, e,em breve, de homens em filhos do Senhor. Começaram a arrepender-se dos pecados; começaram a sentir que, em verdade, talvez Deus os amasse. Ao menos uma coisa era certa: amava-os o padre Damião. Dezesseis anos viveu este homem santo e bom
entre os leprosos. Ergueu uma igreja, a que se afeiçoaram muito,
construiu-lhes casas mais confortáveis, deu-lhes um melhor
fornecimento de água, foi seu enfermeiro.
tratando das suas chagas horrendas;confortava-os à hora da morte e
cavava as suas sepulturas. Ouviu-se, então, falar deste padre que
trabalhava sozinho entre os leprosos. Escreveram-lhe, mandaram-lhe
caixotes de coisas úteis para a sua gente, e , , houve mesmo quem lá
fosse
visitá-lo e ajudá-lo. Durante muitos anos trabalhou entre os
infelizes, mas por fim foi ele próprio vítima do
horrível mal. Um dia entornou água a ferver, e ela lhe caiu num
pé. Estranhou não sentir dor nenhuma. Procurou um médico.
"Tenho a lepra?". perguntou. "Sinto informá-lo", respondeu o médico,
"mas está, com efeito, is-proso". Daí em diante o padre Damião, nos seus sermões, já não
dizia "meu irmãos , mas "nós os leprosos". Sentia-se perfeitamente feliz.
Dizia que, se fosse possível curar-se abandonando a ilha, ainda
assim não deixaria os leprosos. Continuou trabalhando, com a morte a
roer-lhe
feroz e vorazmente o corpo.Quando o levaram para o leito, agradeceu a Deus todos os
benefícios e confortos recebidos. Dois padres e irmãs de caridade
ajoelhavam-se-lhe ao pé do leito.
— "Não, não!", disse, sorrindo, o bom padre. "Se algum valimento tiver ante Deus, rezarei por todos que esíão no Leprosário." — "E", tornou o
padre ajoelhado. "não me deixará, como Elias, o seu manto?" — "Para quê?", replicou o padre Damião. E depois acrescentou lentamente: "Está cheio de lepra". Nenhum rei teve, porém, manto mais belo! É que toda a sua vida tinha sido um longo ato de heroísmo. |
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